Marina decide morrer e ...
Para definir a Marina eu usaria duas palavras, uma delas caracterizaria sua planície e outra respectivamente seu ímpeto: impassível e apaixonada. Logo você vai dizer que tais características, sendo a princípio paradoxais, não se encaixariam muito bem num único ser, mas as improbabilidades contrastavam bem com seu rostinho corado.
Numa das noites ociosas que ficávamos frente ao computador ela me garantiu que poria fim à vida, que nenhuma das razões impostas para viver servia bem aos seus dias atuais. Sem dar muita atenção prosseguimos uma conversa inanimada que ganhou vida quando ela se lembrou do filme que assistiu uns dias antes, Veronika decide morrer, ela ria sem parar, me preocupando até.
_ Fala pra mim, quem quer morrer morre não é?
_ Isso normalmente é ceninha. Respondo quase como reflexo.
O silêncio chegou e nos resignou às incógnitas.
Logo falei pra ela parar de ler Dostoievski e beber ao mesmo tempo. Ela riu ironicamente.
Numa pesquisa rápida ela encontrou uma fórmula que parecia infalível, dez não sei o que "zinas", com dez "monas" e algumas outras droguinhas. Seus olhinhos azuis brilharam e ela ainda acrescentou:
_ Se bater tudo com vodka e suco de laranja desce mais rápido! Escrevo uma carta bonita, tranco bem a porta, bebo rápido e está feito.
Se ela quisesse realmente não alardearia não é? Pensei ligeiramente.
Disse pra Marina ir dormir e parar de pensar nessas bobagens, porque ela já dava muito trabalho viva, e morta continuaria. Fechando a porta com uma expressão lívida ela me disse obrigada, ainda deu pra ouvir sua respiração atrás da porta, pensei em voltar, mas decidi ir para casa.
Dias depois vi Marina dentro de um ônibus, acho que ela também me viu, mas fingiu não ver. Pensei em ligar pra ela mais tarde e acabei me esquecendo.
Uma semana depois de ter visto Marina no ônibus, andava eu tranquilamente cantarolando Pixies, quando meu celular tocou e uma voz séria pedia a confirmação de meu nome, eu sempre digo outro quando me ligam cobrando, mas nesse dia algo soou mais importante. Era de uma funerária, Marina havia feito um contrato de adesão aos serviços e agora solicitavam minha presença, eu era referência.
Foi tudo muito rápido, o corpo frio jogado arrumadamente no sofá, vestindo um conjunto azul, um envelope ao lado do corpo, meu coração disparado e minha mente extremamente confusa. Ilação imediata: suicídio, indubitavelmente.
Uma vizinha ouviu o cachorro de Marina chorando muito pro lado de dentro da casa, algo que não era comum, como não tinha o telefone dela, chamou várias vezes pelo portão, até decidir ligar para polícia.
Tudo muito bem feito, a cozinha bem arrumada, o saco de lixo bem fechado, a garrafa de vodka na geladeira, as cartelas de remédios criteriosamente ordenadas sobre a mesa de jantar.
Consegui imaginar as cenas, dela batendo os comprimidos no liquidificador, embora tivesse muita curiosidade de saber onde os conseguira, depois lavando a louça, com um pouco de medo, mas decidida, escolhendo uma roupa adequada, colocando uma música lenta e respirando seus ideais existencialistas. Senti certo orgulho dela, mesmo sendo espiritualizada e sabendo que sua alma sofreria muito por esta decisão egoísta.
Na carta ela fazia referência ao amor pela família distante, não declarava ódio e nem revoltas explicitadas (fora aquele tapa no rosto dado pelo ex-namorado? ou a demissão por não aceitar mandar os nudes para o chefe depois de flertar com ele na balada?) e uma observação no fim da página: Duvidou? Quando se decide tem que se fazer.
Ela já havia deixado pago o serviço funerário e o aluguel do mês inteiro.
Numa das noites ociosas que ficávamos frente ao computador ela me garantiu que poria fim à vida, que nenhuma das razões impostas para viver servia bem aos seus dias atuais. Sem dar muita atenção prosseguimos uma conversa inanimada que ganhou vida quando ela se lembrou do filme que assistiu uns dias antes, Veronika decide morrer, ela ria sem parar, me preocupando até.
_ Fala pra mim, quem quer morrer morre não é?
_ Isso normalmente é ceninha. Respondo quase como reflexo.
O silêncio chegou e nos resignou às incógnitas.
Logo falei pra ela parar de ler Dostoievski e beber ao mesmo tempo. Ela riu ironicamente.
Numa pesquisa rápida ela encontrou uma fórmula que parecia infalível, dez não sei o que "zinas", com dez "monas" e algumas outras droguinhas. Seus olhinhos azuis brilharam e ela ainda acrescentou:
_ Se bater tudo com vodka e suco de laranja desce mais rápido! Escrevo uma carta bonita, tranco bem a porta, bebo rápido e está feito.
Se ela quisesse realmente não alardearia não é? Pensei ligeiramente.
Disse pra Marina ir dormir e parar de pensar nessas bobagens, porque ela já dava muito trabalho viva, e morta continuaria. Fechando a porta com uma expressão lívida ela me disse obrigada, ainda deu pra ouvir sua respiração atrás da porta, pensei em voltar, mas decidi ir para casa.
Dias depois vi Marina dentro de um ônibus, acho que ela também me viu, mas fingiu não ver. Pensei em ligar pra ela mais tarde e acabei me esquecendo.
Uma semana depois de ter visto Marina no ônibus, andava eu tranquilamente cantarolando Pixies, quando meu celular tocou e uma voz séria pedia a confirmação de meu nome, eu sempre digo outro quando me ligam cobrando, mas nesse dia algo soou mais importante. Era de uma funerária, Marina havia feito um contrato de adesão aos serviços e agora solicitavam minha presença, eu era referência.
Foi tudo muito rápido, o corpo frio jogado arrumadamente no sofá, vestindo um conjunto azul, um envelope ao lado do corpo, meu coração disparado e minha mente extremamente confusa. Ilação imediata: suicídio, indubitavelmente.
Uma vizinha ouviu o cachorro de Marina chorando muito pro lado de dentro da casa, algo que não era comum, como não tinha o telefone dela, chamou várias vezes pelo portão, até decidir ligar para polícia.
Tudo muito bem feito, a cozinha bem arrumada, o saco de lixo bem fechado, a garrafa de vodka na geladeira, as cartelas de remédios criteriosamente ordenadas sobre a mesa de jantar.
Consegui imaginar as cenas, dela batendo os comprimidos no liquidificador, embora tivesse muita curiosidade de saber onde os conseguira, depois lavando a louça, com um pouco de medo, mas decidida, escolhendo uma roupa adequada, colocando uma música lenta e respirando seus ideais existencialistas. Senti certo orgulho dela, mesmo sendo espiritualizada e sabendo que sua alma sofreria muito por esta decisão egoísta.
Na carta ela fazia referência ao amor pela família distante, não declarava ódio e nem revoltas explicitadas (fora aquele tapa no rosto dado pelo ex-namorado? ou a demissão por não aceitar mandar os nudes para o chefe depois de flertar com ele na balada?) e uma observação no fim da página: Duvidou? Quando se decide tem que se fazer.
Ela já havia deixado pago o serviço funerário e o aluguel do mês inteiro.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBonito conto, bem escrito.
ResponderExcluirVc escreve bem.
Vc sabe disso, é claro.
Um abraço.
(Ler, é bom; mas conversar é melhor.)
Epa!
ResponderExcluirnao decidi morrer ainda!
hehehhehe
=]
brincadeira.
Beijos
Marina.