Teosvaldo vira professor

Teosvaldo era cristão e morava numa fazenda perto de Corguinho, seu maior sonho era morar na cidade e freqüentar as missas todos os domingos, casar-se e ter alguns filhos, embora nunca tivesse estado com uma mulher, sabia perfeitamente o queria dela: silêncio, comida gostosa e na hora certa, roupa limpa e sexo farto.
A lavoura de seu pai não ia bem, choveu muito em janeiro e tudo foi por água abaixo, não há como ser mais literal que isso...
Resolveu partir em busca de seus sonhos, pegou carona até a estrada, mais uma carona da estrada até a cidade de Corguinho. Chegando à cidade, ainda meio perdido, foi até um posto de gasolina se aproximou do frentista, baixinho e barrigudo que trabalhava ali desde a abertura do posto, perguntou-lhe sobre algum lugar para passar a noite, que fosse barato em que ele pudesse comer alguma coisa. Rubinho, o frentista, indicou-lhe a pousada do Seu Juvenal, ficava há duas quadras dali.
Passos rápidos levaram-no até a pousada, cansado e com fome pediu um quarto e o próprio Juvenal o levou até lá.
Seu Juvenal era viúvo, surdo e mudo, se comunicava com poucas pessoas já que na pequena cidade ninguém sabia linguagem de sinais; muitos comentavam que Juvenal tinha um jeito estranho, atípico para homens com sua idade, mas sua rotina desviava as atenções, homem sério e trabalhador, não tinha dívidas e ainda suspeitavam que ele fosse rico, que tinha fazendas de gado e plantações de algodão, especulações naturais de cidade pequena.
A noite quente passou rapidamente e a manhã trazendo a fumaça dos canaviais anunciava mais um dia de labuta. Teosvaldo rezou seu terço, pensou na mãezinha velha e resolveu partir para luta, arrumar trabalho, conhecer a igreja e arrumar uma esposa.
Magro, moreninho, cabelos bem lisinhos, olhos grandes e mãos calejadas, esse era o rapaz da fazenda que almejava objetivos simples, e que agora tinha algumas dúvidas e quase nenhum dinheiro.
Seu Juvenal acordava às seis da manhã todos os dias, andava pelo quintal da pousada, ia à padaria e voltava para fazer o café. Quando chegou da rua encontrou o rapaz pensativo na porta dos fundos da pousada, chucro como lhe reservava o direito, encostado na porta esperou o bom dia do velho. Demorou até que Teosvaldo descobrisse que o velho era surdo e mudo, mas com poucos gestos Juvenal apontou para o quintal cheio de mato, ofereceu uma enxada ao rapaz e mostrou uma nota de vinte reais.
A manhã se desfez sob o sol escaldante do meio dia, o couro do rapaz fritava, o trabalho quase pronto e a barriga roncando eram sinais que a hora do almoço estava chegando.
Comeu seu arroz com feijão, mandioca com carne e tomou uma limonada, palitava os dentes quando o velho lhe oferecendo um cigarro o chamava para fora da pousada.
Silêncio eterno, fumaça subindo e olhares confusos.
A tarde passou, debaixo de uma mangueira Teosvaldo pensava na vida e sonhava com as delícias dela.
Quando a lua apareceu o velho foi chamar o “carpineiro”, o suor daquele homem jovem despertou o instinto mais guardado daquele ex-marinheiro. Juvenal fora da marinha na juventude e sofreu um grave acidente voltando de uma viagem, assim ficara surdo e mudo consequentemente, há quem diga que em dias de festa ele fala algumas asneiras. Parados no balcão Juvenal escreveu em um papel:
“Aqui não vai mais ter dinheiro, não tem mais mato pra carpi, então se quiser vai ter que durmi comigo”
A aflição do momento foi avassaladora, Teosvaldo pegou suas coisinhas e partiu aceleradamente.
A noite foi longa na beirada da estrada, não passara viva alma. A porta aberta e o silêncio acolhedor deram um empurrão na decisão do abandonado. Quando amanheceu, o corpo dolorido estava coberto por um lençol cheirando naftalina, a cabeça doía e sabia que tinha tomado a decisão certa. Agora tinha uma casa.
Sem pudor o velho mimava o rapaz da fazenda, comprava roupa nova toda semana e deixava que ele bebesse quantos copos de leite quisesse.
Mas o fim estava próximo, o frentista, ele mesmo o baixinho barrigudo, não se conformava, planejou dar fim a toda aquela festa. Iria colocar fogo na pousada.
Enfim, pra encurtar e muito a história, Rubinho tascou fogo na pousada, apenas o cachorrinho do Seu Juvenal não conseguiu se salvar. Teosvaldo ficou muito preocupado com a situação futura, já acostumado à mordomia, teria que voltar lá pra fazenda.
O destino mudaria totalmente, Juvenal pegou seu carro, e juntos foram para a capital, o velho realmente tinha uma boa reserva de dinheiro. Pagou um curso de libras pra Teosvaldo, que agora não queria mais saber de igreja e só queria estudar na faculdade. Não tinham mais problemas de comunicação.
Formado em matemática, resolveu fazer letras, dava aulas de libras e vivia com seu velho num apartamento de primeira.
O único problema é que o guarda roupa de Teosvaldo era coordenado pelo Seu Juvenal, era camisa laranja com tênis verde, calça marrom com sapato branco, enfim um desastre, tudo para manter a aparência de Teosvaldo o mais distante possível de um cara bem apessoado e aproximá-la um pouco mais àquela que antes fora seu sonho dourado, “freqüentador assíduo da igreja e pai de prole remelenta”. Seus alunos sempre desconfiados da sua sexualidade fizeram uma pesquisa e chegaram a este relato.

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