As pedras de Helena

Acordei ao ouvir um barulho vindo provavelmente do portão e posterior latido estridente de Helena. Logo em seguida outro barulho de uma batida no portão e latidos dela e também de Sofia. Já era dia e fui olhar. Pela janela pude ver, estarrecida, que Helena juntara partes de uma telha quebrada, no dia anterior, entre sua casinha e o portão; com a boca ela jogava quando um cão passava pela rua, mais agitada que o normal, e em uma das vezes um pedaço dessa telha que ela via como arma, foi jogado contra à própria maninha Sofia, que desviou por sorte. Helena buscava suas pedras e as recolocava no monte. Imaginei uma adolescente revoltada pela partida do "pai" e recente ausência da mãe que passou uns dias fora por problemas de saúde. Sem atenção estava jogando sua raiva contra o mundo? Quis dizer a ela que poderia extravasar, mas que não atingisse quem lhe ama. A casa está se esvaziando de sentimentos ruins, agora convivemos com alguns e está mais fácil transitar entre eles, pedir para que alguns saiam, ou dar pezinho para que eles pulem janelas. O sol voltará a ter o calor que aquece na medida ideal. Ainda que tenha o nome da mais bela, nada pode confortar gênio que irracionalmente expressa suas causas, que grita suas necessidades. Ela não partiu reinos, esteve sob o processo da ruptura de um aparente feliz reinado de amor. Mas vamos deixar as pedras no chão, calma! Tive meus pensamentos voltados a pedir isso a ela, mesmo que fosse um autopedido. Hoje, vi, as pedras estão lá, juntas, sobreaviso, mas ela ainda não as atirou em nada, nem ninguém. Estou feliz por isso. Dia a mais nas nossas evoluções, curas, etapas de nossos lutos. Proteger -se contra o desconhecido ainda pode ser válido, se ela pensa assim, eu irei de tomar a ideia. Domingos de profunda solidão, mas na minha profundidade inabitável.

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