Crônica do domingo traidor

 Sobre as vantagens de se morar sozinha:

A cerveja gelada num copo americano, ao lado do computador enquanto escrevo é resto de final de semana que veio derrubando altares.

O cigarro e sua fumaça não incomodam ninguém.

Meus risos ou lágrimas não são vistos nem julgados.

Tenho dois gatos deitados em minha cama, e só quem lida com a alergia sou eu mesma.

Benefícios à parte, preciso mastigar as constatações que minha pretensa mania de inferir trouxeram à superfície e, infelizmente, deixaram menos doce um sábado açucarado de expectativas, contudo, terei que engoli-las. De onde criei e tirei a traição da minha "platonice" e pude jogá-la num calvário "nitiniano" comum aos meus últimos domingos. A traição, conhecida e jocosa, já possuidora de espaços gigantes na minha história niilista. 

Um tal amor que viveu ao meu lado por mais de um ano, dividindo cama, mesa e estragos. Amor que não aceitava de início, mas que me ganhou no papo, levando-me a crer na possibilidade de abrandar mais de dois anos da perda de um marido com quem vivi por quinze anos, muitos deles, repletos de domingos como este atual.

Era difícil crer que uma pessoa a quem contei sem aspas toda minha trajetória, quem dizia me ter como a mulher mais importante de sua vida, alguém a quem dediquei uma confiança quase morta, pensando ter a possibilidade de construir um tempo de paz, num destempero de apatias, foi se afastando nos últimos dias de acordar e dormir lado a lado.

Traiu-me! Sob uma constante e indubitável, até então, noção de moral absolutamente carrasca de qualquer tipo de desvio às relações monogâmicas restritas às condutas heteronormativas e estáveis.

Boom! Sim! A idade diferença de idade pesou um dia! 

Jurava que essa particular diferença entre nós jamais seria um empecilho, "amava" cada ruga da escritora desconhecida que aqui digita, agora já mais tranquila. Durante um tempo em que estivemos juntos, eu abri mão de impor minhas ideias, recriava uma pessoa que eu mesma julgava antiga.

E me doei, errei muito, soneguei carinho às vezes, mas achava que não tinha mais incentivo para doá-lo naqueles dias de dúvidas e agonias. O parceiro, das 24h do dia, foi embora sem pensar duas vezes, eu culpada e crendo ter deixado o amor da minha vida se despedir em vão, fui atrás qual uma "louca" de retomar e mudar a nossa vida. Mal eu sabia, que ali já existia o amor de uma outra pessoa, uma menina... 

Não julgo nem sei nada dessa relação, mas sobre os pedaços de uma mulher madura, inteligente, viajada, honesta e, relativamente charmosa, já existia;

Enfim, após meses tentando entender por que o menino não atendia às ligações, não lia mensagens, bloqueava tudo que existia, ainda refém de uma impressão de que o tal amor incondicional naquela condição persistiria.

Foi desfeita a máscara, quando se espera algo assim de alguém é bem mais simples, quando não se viveu uma angustiante busca por respostas, tristes declarações sinceras sem empatia, uma brincadeira de casinha que eu estava fornecendo à vida que ele ainda pensava que um dia construiria. Pessoas próximas me disseram ao longo do gap, entre e o fim e este dia, para esquecer, que eu deveria seguir, pois tudo que pensava ter erguido com tijolos e bom cimento, já não passava mais de restos de tábuas queimadas numa rua escura no passado daquele a quem tanto eu queria.

Só que a resiliência, apesar de negada, é existente. Estou pronta para viver as dores e a baixa autoestima pelos próximos "tempos", cujos pensamentos e lamentos - sei que imprescindivelmente - infelizmente, serão constantes paradoxos a serem reabsorvidos em denotativa narrativa.

E se vão os anéis, porém ficam os dedos, utilizarei desses curtos e gordinhos que tenho, para escrever nada mais do que a história viva da minha transparência e dos perdões, gratidão e medos que fatalmente confrontarei até o fim da minha estrada de tijolos amarelos. 

A cerveja acaba de acabar, by the way... 


C.F.

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