Mudança de calendário - Parte VI

 Quando tive minha última impressão real do mundo, sob olhares curiosos e mascarados que me sabatinaram na rua pela manhã, tive necessidade - como sinceramente não havia sentido racionalmente antes - de me informar sobre o que me cercava e como eu ainda sobrevivia sob meu teto sólido, apesar de tão confuso, circundado de tantas enigmáticas referências caóticas.

Ligações que não fizera, ou talvez recebera, bilhetes que imaginara ler ou talvez escrevera, comida que obviamente comi, mas que não sei de onde veio, quem eu era ali, e antes?

A sujeira ao redor é inegável, em mim, uma oleosidade fétida parece irromper instantaneamente ao tocar as mãos sobre meu rosto para que eu me certifique novamente que ainda esteja num "eu" antes conhecido, para partir miseravelmente, meia suja por meia suja atrás de alguma resposta.

Opto por tomar um banho antes de qualquer investigação. Ao tirar e atirar longe as roupas ainda molhadas da chuva que revivi na breve descida à rua, olho para o resto de sangue no braço, os pelos no ralo do banheiro, evito o espelho, constato com ira, mas sem incredulidade, não há sabonete.

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