Um minuto antes de dormir (Parte alheia)

 Fiquei mais de 20 horas na cama. Um sonho peculiar, que talvez seja um dos capciosos momentos de vertigem real daquele minuto fatídico, fez com que meu dia, ou melhor noite, começasse com meu pai gritando meu nome no portão.

Já tinha ouvido me chamarem algumas vezes durante esse sono mole que tinha a companhia macia da gata se enrolando no meu braço. Só que algumas das vezes a voz era a minha, então não me importava com a necessidade de enfrentar a incômoda sensação de por os pé no chão sujo; outras chamadas vinham de muito perto, provavelmente resquícios da esquizofrenia crônica. 

Andei no corredor, que era longo e limpo, piso conhecido, mas existiam portas incontáveis naquela casa que parecia pertencer a mim. Na sala, com janelas abertas e sol entrando, de pé estava o meu medo. Encarei e mais uma vez doeu. Era ela, a minha companheira que há muito tempo não sei se está nos minutos de sonho ou na hipotética vida real.

Ela me cobra, ela me desafia, diz que não posso ser feliz. Num outro quarto estava uma mulher que eu conheci durante uma viagem, em outro uma adolescente com quem eu cruzava no corredor da faculdade quando era um jovem sonhador.

Numa gaveta, peças antigas de tecidos que minha mãe usara para ornamentar nossa simples casa. O mesmo xadrez rosado, mas com fitas, o que me dava a certeza de não serem os mesmos da infância. Percebia, com angústia, que estava invadindo a casa de uma mulher que tinha uma filha pequena. Nos armários nem nos montes de roupa amassadas, constava indício de presença masculina. 

Mas por que uma casa tão grande para duas pessoas?

Depois, realizava que eu mesmo viveria tranquilamente assim, já que os fantasmas teriam muito mais espaço para pairar. 

Banheiros! Quantos deles haviam! 

No quarto em que minhas roupas estavam espalhadas, um desses banheiros era uma visão ampla da minha real necessidade de organizar os espaços. Eu esperava uma mudança, mas a casa não era minha, lembrou-me a fantasma não tão amiga.

Senti certa juventude nos meus poros. Certo êxtase em minha língua. 

Porém era hora de acordar.

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